quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

“Roubar pelo povo”

“Roubar pelo povo”, um texto exemplar de Carlos Alberto Sardenberg

Já afirmei aqui algumas vezes que certas áreas do petismo se dedicavam a emprestar um sentido virtuoso a uma dos desastres morais que caracterizam a política brasileira: o “rouba, mas faz”. Em sua coluna no Globo de hoje, Carlos Alberto Sardenberg escreve um texto exemplar a respeito, comentando intervenções no debate público feitas por Renato Janine Ribeiro e pela atriz Fernanda Torres. Janine é um velho conhecido deste blog (aqui, a série de textos de que ele é protagonista). Está sempre tentando emprestar profundidade filosófica às barbaridades do PT e tentando demonstrar que o partido tem o exclusivismo moral para determinadas práticas. Sobre Fernanda Torres, dizer o quê? Não tenho a dizer sobre Fernanda Torres a não ser afirmar que ela é engraçada. Leiam o texto de Sardenberg.
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Intelectuais ligados ao PT estão flertando com uma nova tese para lidar com o mensalão e outros episódios do tipo: seria inevitável, e até mesmo necessário, roubar para fazer um bom governo popular.

Trata-se de uma clara resposta ao peso dos fatos. Tirante os condenados, seus amigos dedicados e os xiitas, ninguém com um mínimo de tirocínio sente-se confortável com aquela história da  ”farsa da mídia e do Judiciário”.

Se, ao contrário, está provado que o dinheiro público foi roubado      e que apoios políticos foram comprados, com dinheiro público, restam duas opções: ou desembarcar de um projeto heroico que virou bandidagem ou, bem, aderir  à tese de que todo governo rouba, mas os de esquerda roubam menos e o fazem para incluir os pobres.

Vimos duas manifestações recentes dessa suposta nova teoria. Na Folha, Fernanda Torres, em defesa de José  Dirceu,  buscou inspiração em Shakespeare para especular: talvez seja impossível governar sem violar a lei.

No Valor, Renato Janine Ribeiro escreveu duas colunas para concluir: comunistas revolucionários não roubam; esquerdistas reformistas roubam quando chegam ao governo, mas “talvez” tenham de fazer isso para garantir as políticas de inclusão social.
Tirante a falsa sofisticação teórica, trata-se da atualização de coisa muito velha. Sim, o leitor adivinhou: o pessoal está recuperando o “rouba mas faz”, criado pelos ademaristas  nos anos 50. Agora é o “rouba mas distribui”.

Nem é tão surpreendente assim. Ainda no período eleitoral recente, Marilena Chauí havia colocado Maluf no rol dos prefeitos paulistanos realizadores de obras, no grupo de Faria Lima, e fora da turma dos ladrões.
Fica assim, pois: José Dirceu não é corrupto, nem quadrilheiro – mas participou da corrupção e da quadrilha porque, se não o fizesse, não haveria como aplicar o programa popular do PT.

Como se chega a esse incrível quebra-galho teórico? Fernanda Torres oferece uma pista quando comenta que o PT se toma como o partido do povo brasileiro. Ora, segue-se, se as elites são um bando de ladrões agindo contra o povo, qual o problema de roubar “a favor do povo”?

Renato Janine Ribeiro trabalha na mesma tese, acrescentando casos de governos de esquerda bem sucedidos, e corruptos. Não fica claro se são bem sucedidos “apesar” de corruptos ou, ao contrário, por serem corruptos. Mas é para esta ultima tese que o autor se inclina.

Não faz sentido, claro. Começa que não é verdade que todo governo conservador é contra o povo e corrupto. Thatcher e Reagan, exemplos máximos da direita, não roubavam e trouxeram grande prosperidade e bem estar a seus povos. Aqui entre nós, e para ir fundo, Castello Branco e Médici também não roubavam e suas administrações trouxeram crescimento e renda.

Por outro lado, o PT não é o povo. Representa parte do povo, a majoritária nas últimas três eleições presidenciais. Mas, atenção, nunca ganhou no primeiro turno e  os adversários sempre fizeram ao menos 40%. E no primeiro turno de 2010, Serra e Marina fizeram 53% dos votos.

Por isso, nas democracias  o governo não pode tudo, tem que respeitar a minoria e isso se faz pelo respeito às leis, que incluem a proibição de roubar. E pelo respeito à opinião pública, expressa, entre outros meios, pela imprensa livre.

Por não tolerar essas limitações, os partidos autoritários, à direita e à esquerda, impõem ou tentam impor ditaduras, explícitas ou disfarçadas. Acham que, por serem a expressão legítima do povo, podem tudo.
Assim, caímos de novo em velha tese: os fins justificam os meios, roubar e assassinar.

Renato Janine Ribeiro diz que os regimes comunistas cometeram o pecado da extrema violência física, eliminando milhões de pessoas. Mas eram eticamente puros, sustenta: gostavam de limusines e dachas, mas não colocavam dinheiro público no bolso. (A propósito, anotem aí: isto é uma prévia para uma eventual defesa de Lula, quando começam a aparecer sinais de que o ex-presidente e sua família abusaram de mordomias mais do que se sabe).

Quanto aos comunistas, dizemos nós, não eram “puros” por virtude, mas por impossibilidade. Não havia propriedade privada, de maneira que os corruptos não tinham como construir patrimônios pessoais. Roubavam dinheiro de bolso e se reservavam parte do aparelho do estado, enquanto o povo que representavam passava fome. Puros?

Reparem: na China, misto de comunismo e capitalismo, os líderes e suas famílias amealharam, sim, grandes fortunas pessoais.

Voltando ao nosso caso brasileiro, vamos falar francamente: ninguém precisa ser ladrão de dinheiro público para distribuir Bolsa Família e aumentar o salário mínimo.

Querem tudo?

Dilma consegue aprovar a MP que garante uma queda na conta de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico diz que haverá mais apagões porque não há como evitá-los sem investimentos que exigiriam tarifas mais caras.

Ou seja, a conta será mais barata, em compensação vai faltar luz.
Por Reinaldo Azevedo

O massacre de Newtown

Contardo Calligaris
O massacre de Newtown



 
 
Horrores parecidos com o de Newtown acontecerão de novo, nunca teremos como evitá-los ou preveni-los
NA SEXTA passada, em Newtown, Connecticut, um jovem de 20 anos voltou para sua antiga escola primária e matou 20 crianças, de seis e sete anos, e seis adultos (a diretora, a psicóloga da escola e quatro professoras). Em casa, ele já tinha assassinado sua própria mãe.
Fiquei diante da televisão durante boa parte do fim de semana. O cenário bucólico da região reforçava a insensatez do acontecido.

1) Poucas horas depois do massacre, o dr. Sanjay Gupta, neurocirurgião e "correspondente médico" da CNN, afirmava enfaticamente que precisamos de "uma legislação que permita que as autoridades façam o que deve ser feito". "Essas coisas", ele acrescentou, "podem ser previstas e podem ser tratadas".
Na emoção do momento, Gupta (que, em geral, é competente e prudente) reiterou que sempre há sinais que nos avisam de que algo terrível está para acontecer. Seu exemplo? Veja: "Alguém está irritado e isolado, sofre de alucinações auditivas, tem paixão por armas e frequenta um estande de tiro".
Diante desse quadro, lamentou Gupta, você não tem como chamar a polícia, pois ela não tem os meios legais para intervir. Por sorte, acrescento eu.

Mais tarde, também na CNN, uma psiquiatra declarou que o atirador "era um perigo para sua própria família" (fácil de se dizer, sobretudo DEPOIS de ele ter assassinado a mãe). Segundo ela, fomos longe demais no respeito por doentes e perigosos: temos medo de prender as pessoas. A mesma psiquiatra disse que pessoas como o assassino, infelizmente, se recusam a serem medicadas.

Ou seja, não é que nossos diagnósticos sejam imprecisos e tardios, nem que nossos remédios sejam insuficientes e precários. Também não é que a gente não saiba prever uma explosão de loucura assassina.
Nada disso. Na sexta-feira, segundo a CNN, se tivéssemos os meios legais de internar e medicar à força, teríamos resolvido o problema definitivamente. Eu mesmo adoraria jurar, em cima das tumbas das vítimas de Newtown (e de milhares de outras, mundo afora), que, a partir de suas mortes, tudo mudará. Mas essas são palavras que apenas servem para nos consolar.

2) Sou favorável ao movimento para que sejam verificados a sanidade (até onde possível, que é pouco) e os antecedentes dos que adquirem armas. Sou favorável à proibição da venda das armas de guerra -e talvez até de todas as armas. Mas, por favor, SEM ILUSÕES.

No caso, em Connecticut, o controle já existe, e as armas usadas pelo assassino de Newtown eram devidamente registradas: elas pertenciam à mãe de assassino, uma de suas vítimas.

O Japão tem uma legislação rigorosa contra a posse de armas. Justamente, em 2001, Mamoru Takuma, condenado à forca em 2004, entrou numa escola primária de Osaka e matou oito crianças -com uma faca.

No Reino Unido, depois do massacre de Hungerford, em 1987 (16 vítimas, entre as quais a mãe do assassino -mais o assassino, que se suicidou), as armas automáticas e semiautomáticas foram banidas pelo Firearms (Amendment) Act, de 1988. No massacre na escola de Dunblane, na Escócia, em 1996 (morreram 16 crianças, um adulto -e o assassino, que se suicidou), foram usada duas pistolas e dois revólveres. Em consequência, foi proibida a propriedade privada de todas as armas de mão. Isso não impediu que, em 2010, alguém, no condado de Cúmbria, Inglaterra, matasse 12 pessoas e ferisse mais 11, antes de se suicidar.

Meus amigos caçadores, membros da National Rifle Association, pensam que não é bom proibir as armas: segundo eles, se as professoras, a diretora e a psicóloga de Newtown estivessem armadas e reagissem, o balanço do horror teria sido mais leve. O mesmo argumento poderia ser invocado pelo massacre na escola Municipal Tasso da Silveira, no Realengo, no ano passado. Mas você gostaria que suas crianças frequentassem uma escola em que os professores estivessem constantemente armados?

Minha conclusão é a de que devemos agir, sim: controlar as armas de fogo, melhorar nossos diagnósticos.

Mas, por favor, sem mentir para nós mesmos.

Nossas ações acarretarão consequências mínimas: algumas vítimas talvez sejam salvas graças às novas disposições (isso já é muito), mas horrores parecidos com os que mencionei vão acontecer de novo -e nunca teremos como evitá-los, nunca teremos mesmo como preveni-los.

Desculpem-me se o tema da semana foi sombrio. Mesmo assim, boas-festas a todos!
ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris