“Roubar pelo povo”, um texto exemplar de Carlos Alberto Sardenberg
Já afirmei aqui algumas vezes
que certas áreas do petismo se dedicavam a emprestar um sentido
virtuoso a uma dos desastres morais que caracterizam a política
brasileira: o “rouba, mas faz”. Em sua coluna no Globo de hoje, Carlos
Alberto Sardenberg escreve um texto exemplar a respeito, comentando
intervenções no debate público feitas por Renato Janine Ribeiro e pela
atriz Fernanda Torres. Janine é um velho conhecido deste blog (aqui,
a série de textos de que ele é protagonista). Está sempre tentando
emprestar profundidade filosófica às barbaridades do PT e tentando
demonstrar que o partido tem o exclusivismo moral para determinadas
práticas. Sobre Fernanda Torres, dizer o quê? Não tenho a dizer sobre
Fernanda Torres a não ser afirmar que ela é engraçada. Leiam o texto de
Sardenberg.
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Intelectuais ligados ao PT estão flertando com uma nova tese para lidar com o mensalão e outros episódios do tipo: seria inevitável, e até mesmo necessário, roubar para fazer um bom governo popular.
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Intelectuais ligados ao PT estão flertando com uma nova tese para lidar com o mensalão e outros episódios do tipo: seria inevitável, e até mesmo necessário, roubar para fazer um bom governo popular.
Trata-se
de uma clara resposta ao peso dos fatos. Tirante os condenados, seus
amigos dedicados e os xiitas, ninguém com um mínimo de tirocínio
sente-se confortável com aquela história da ”farsa da mídia e do
Judiciário”.
Se, ao
contrário, está provado que o dinheiro público foi roubado e que
apoios políticos foram comprados, com dinheiro público, restam duas
opções: ou desembarcar de um projeto heroico que virou bandidagem ou,
bem, aderir à tese de que todo governo rouba, mas os de esquerda roubam
menos e o fazem para incluir os pobres.
Vimos duas
manifestações recentes dessa suposta nova teoria. Na Folha, Fernanda
Torres, em defesa de José Dirceu, buscou inspiração em Shakespeare
para especular: talvez seja impossível governar sem violar a lei.
No Valor,
Renato Janine Ribeiro escreveu duas colunas para concluir: comunistas
revolucionários não roubam; esquerdistas reformistas roubam quando
chegam ao governo, mas “talvez” tenham de fazer isso para garantir as
políticas de inclusão social.
Tirante a
falsa sofisticação teórica, trata-se da atualização de coisa muito
velha. Sim, o leitor adivinhou: o pessoal está recuperando o “rouba mas
faz”, criado pelos ademaristas nos anos 50. Agora é o “rouba mas
distribui”.
Nem é tão
surpreendente assim. Ainda no período eleitoral recente, Marilena Chauí
havia colocado Maluf no rol dos prefeitos paulistanos realizadores de
obras, no grupo de Faria Lima, e fora da turma dos ladrões.
Fica
assim, pois: José Dirceu não é corrupto, nem quadrilheiro – mas
participou da corrupção e da quadrilha porque, se não o fizesse, não
haveria como aplicar o programa popular do PT.
Como se
chega a esse incrível quebra-galho teórico? Fernanda Torres oferece uma
pista quando comenta que o PT se toma como o partido do povo brasileiro.
Ora, segue-se, se as elites são um bando de ladrões agindo contra o
povo, qual o problema de roubar “a favor do povo”?
Renato
Janine Ribeiro trabalha na mesma tese, acrescentando casos de governos
de esquerda bem sucedidos, e corruptos. Não fica claro se são bem
sucedidos “apesar” de corruptos ou, ao contrário, por serem corruptos.
Mas é para esta ultima tese que o autor se inclina.
Não faz
sentido, claro. Começa que não é verdade que todo governo conservador é
contra o povo e corrupto. Thatcher e Reagan, exemplos máximos da
direita, não roubavam e trouxeram grande prosperidade e bem estar a seus
povos. Aqui entre nós, e para ir fundo, Castello Branco e Médici também
não roubavam e suas administrações trouxeram crescimento e renda.
Por outro
lado, o PT não é o povo. Representa parte do povo, a majoritária nas
últimas três eleições presidenciais. Mas, atenção, nunca ganhou no
primeiro turno e os adversários sempre fizeram ao menos 40%. E no
primeiro turno de 2010, Serra e Marina fizeram 53% dos votos.
Por isso,
nas democracias o governo não pode tudo, tem que respeitar a minoria e
isso se faz pelo respeito às leis, que incluem a proibição de roubar. E
pelo respeito à opinião pública, expressa, entre outros meios, pela
imprensa livre.
Por não
tolerar essas limitações, os partidos autoritários, à direita e à
esquerda, impõem ou tentam impor ditaduras, explícitas ou disfarçadas.
Acham que, por serem a expressão legítima do povo, podem tudo.
Assim, caímos de novo em velha tese: os fins justificam os meios, roubar e assassinar.
Renato
Janine Ribeiro diz que os regimes comunistas cometeram o pecado da
extrema violência física, eliminando milhões de pessoas. Mas eram
eticamente puros, sustenta: gostavam de limusines e dachas, mas não
colocavam dinheiro público no bolso. (A propósito, anotem aí: isto é uma
prévia para uma eventual defesa de Lula, quando começam a aparecer
sinais de que o ex-presidente e sua família abusaram de mordomias mais
do que se sabe).
Quanto aos
comunistas, dizemos nós, não eram “puros” por virtude, mas por
impossibilidade. Não havia propriedade privada, de maneira que os
corruptos não tinham como construir patrimônios pessoais. Roubavam
dinheiro de bolso e se reservavam parte do aparelho do estado, enquanto o
povo que representavam passava fome. Puros?
Reparem: na China, misto de comunismo e capitalismo, os líderes e suas famílias amealharam, sim, grandes fortunas pessoais.
Voltando
ao nosso caso brasileiro, vamos falar francamente: ninguém precisa ser
ladrão de dinheiro público para distribuir Bolsa Família e aumentar o
salário mínimo.
Querem tudo?
Dilma consegue aprovar a MP que garante uma queda na conta de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico diz que haverá mais apagões porque não há como evitá-los sem investimentos que exigiriam tarifas mais caras.
Ou seja, a conta será mais barata, em compensação vai faltar luz.
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