A institucionalização dos
conflitos e das tensões sociais é o cerne do regime democrático.
Evitar que os conflitos
desbordem, extravasem, e cheguem às “ruas”, é o desafio maior. Cumprido esse
desiderato, a contento, pode-se chegar a um estágio interessante de convívio,
um momento “civilizado” do sistema.
É claro que o dinamismo da
sociedade e suas complexidades imanentes são capazes de produzir fatos sociais
que escapam dessa tentativa de “domesticar” e civilizar. O convívio social é
mais complexo do que qualquer idéia que tenha por fim constranger, na acepção
pura do termo, impulsos e ímpetos humanos.
Lançar mão de instituições fortes
é o único caminho a ser trilhado por uma sociedade que quer contar com esse canal
civilizador. Os que são alçados à condição de timoneiros dessas instituições devem
ter a noção exata do seu encargo. Pesa sobre eles o compromisso de zelar por
elas.
É inescapável que a ausência
desses cuidados acabou por transformar a atuação dos membros do Ministério
Público do Estado do Piauí, no caso Fernanda, numa pantomima, num verdadeiro
contra-exemplo de como uma instituição deve se portar.
Ainda que o trabalho da polícia
federal tivesse referendado todas as hipóteses levantadas pelos membros do
órgão ministerial, responsáveis pelo caso, a forma como foram colocadas essas
hipóteses – sempre com ilações sem lastro e ofensivas desmesuradas, além de uma
jocosidade ímpar – tangenciaram o fantasioso, o espetaculoso, o irrazoável e o
flerte com o absurdo.
Neste caso, e em todos os outros que exijam a
participação de agentes políticos, é preciso ter grande cuidado com os meios
empregados para que os fins não restem imprestáveis.
Infelizmente os meios utilizados
pelos membros do MP – entrevistas, posturas, falas, manifestações em redes
sociais - durante toda essa arenga desqualificaram-se
por si só.
A narrativa científica
apresentada pela Polícia Federal, no entanto, trilhou por outro caminho.
Ombreou com a civilidade. Os meios empregados qualificaram o fim, ainda que
esse fim não tenha sido acolhido de bom grado pelos que não se desvencilham da
possibilidade do assassinato.
A grande diferença neste caso
todo, acredito, repousou nesse antimaquiavelismo: os meios qualificando os
fins, em contraposição aos fins que justificam os meios.
A trajetória construída pela
busca da verdade num estado democrático de direito deve ser hígida. Os meios
empregados são tão importantes, ou mais, quanto os resultados obtidos.
É o cuidado com o percurso, com os
passos dados, que revela o nível de nossas instituições, de nosso aparelho repressor,
de nossa capacidade de, como citado no início, instituticionalizar conflitos e
tensões para que eles não assaltem a razão e a civilidade, valores difíceis de
ser construídos, mas fáceis de serem calcado aos pés. Fica a lição.
Zeferino Júnior