Por Reinaldo Azevedo
Logo vão pedir que a gente aplauda Lula e o governo por mais um escândalo. Ou: Eduardo Campos precisa ler um dos Diálogos, de Platão
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, irá nesta terça ao Congresso
Nacional para falar à Comissão de Controle e Segurança e à de
Fiscalização sobre a Operação Porto Seguro. Pode parecer uma atitude de
respeito ao Parlamento e ao povo, mas é o contrário: a ida de Cardozo é
parte da operação abafa. O que, afinal de contas, ele tem a dizer sobre o
caso, além de nada?
Quem tem
de prestar contas à polícia, ao Congresso e, na hora adequada, à
Justiça, é Rose Nóvoa Noronha, a namorada de Lula flagrada em pleno
escritório da Presidência da República fazendo, quando menos, tráfico de
influência. Como deixam claro os e-mails interceptados pela Polícia
Federal, ela recebia por isso. Quem tem de falar aos congressistas e
José Weber Holanda, o ex-número dois da Advocacia Geral da União, aquele
que Luís Inácio Adams fez questão de nomear APESAR da biografia no
serviço público. Quem tem de dar explicações ao Poder Legislativo e o
tal Paulo Vieira, apontado pela PF como chefe de quadrilha. Ocorre que a
base governista se mobilizou para que essas pessoas não fossem
convidadas. Há um esforço para despolitizar a questão, como se
estivéssemos diante de meros episódios de desvio de conduta.
Não é
assim. A Operação Porto Seguro traz à luz, mais uma vez, evidências da
corrupção sistêmica que toma conta do estado brasileiro. Por certo, os
petistas e seus agregados não são os únicos corruptos do Brasil, mas a
gente nota que não há caso de corrupção em que não se encontrem um
companheiro ou um preposto como protagonista. Há uma diferença entre uma
elite política que pratica desmandos na margem e outra, como é o caso,
em que marginais são os cumpridores da lei.
Rosemary,
reitero, está longe de ser apenar uma personagem jocosa de um imbróglio.
Ela se torna um verdadeiro símbolo do jeito lulo-petista de fazer
política. As necessidades do líder não se distinguem das do partido, que
não se distinguem das do governo, que não se distinguem das do Estado.
Cardozo certamente destacará a presteza de Dilma em afastar os
suspeitos, como se o governo que demite e afasta também não fosse aquele
que contratou ou manteve essa gente em funções estratégicas.
A reação
do país, como se percebe, não é proporcional ao tamanho do escândalo. O
único líder oposicionista que emprestou à questão a sua real gravidade
foi o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que diz a coisa certa: seria, sim,
caso para uma CPI – que, sabemos, não acontecerá. Se criada fosse,
serviria, mais uma vez, à pantomima petista, que agora deu para usar
comissões de inquérito para proteger larápios e perseguir pessoas de
bem. Parece uma caricatura de contrastes, mas assim é.
Campos e a trilha perigosa
O Brasil caminha numa trilha perigosa. Ontem, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), participou de um seminário promovido pelo jornal Valor Econômico sobre os “novos ventos” da política ou coisa assim. O “vento” como metáfora de coisa boa merecia um estudo. Originalmente, essa novidade era sinônimo de inconstância, de insegurança. O poeta latino Catulo, lamentando um dos muitos chifres que lhe punha a amada Clódia, escreveu, por exemplo, que as promessas das mulheres são escritas na água com o vento… Se o Valor acha que eventuais líderes promissores são “novos ventos”, então basta esperar que passam… Mas volto a Campos. Leio o que segue em vermelho no Estadão:
O Brasil caminha numa trilha perigosa. Ontem, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), participou de um seminário promovido pelo jornal Valor Econômico sobre os “novos ventos” da política ou coisa assim. O “vento” como metáfora de coisa boa merecia um estudo. Originalmente, essa novidade era sinônimo de inconstância, de insegurança. O poeta latino Catulo, lamentando um dos muitos chifres que lhe punha a amada Clódia, escreveu, por exemplo, que as promessas das mulheres são escritas na água com o vento… Se o Valor acha que eventuais líderes promissores são “novos ventos”, então basta esperar que passam… Mas volto a Campos. Leio o que segue em vermelho no Estadão:
Indagado
se Lula deve explicações à sociedade, Campos afirmou: “Vamos compreender
o papel de Lula como o do ex-presidente FHC na história, de líderes que
têm imperfeições, que cometeram erros, todos os dois, mas que legaram
ao Brasil, cada um a seu tempo, algo que é importante para a vida
brasileira até hoje [a democracia]. O presidente Lula merece, do Brasil,
respeito.” Campos destacou que pode até ter algumas divergências com
Lula, mas é fundamental compreender o papel que ele teve na construção
do País.
Apesar da
defesa de Lula, o governador de Pernambuco disse que é preciso punir
“com o rigor da lei” as pessoas que usaram cargos públicos para tráfico
de influência. “É preciso que se apure tudo e os responsáveis [por
práticas ilegais] sejam punidos com o rigor da lei. O Brasil tem mudado,
não se aceita mais que uma carga tributária de quase 36% possa ser
administrada por práticas patrimonialistas”, frisou, citando como
exemplo dessa mudança a independência que algumas instituições, como a
Polícia Federal, têm para agir.
Campos
disse ainda que o petista prestou ao Brasil um papel de grande
relevância: “Ele, como um líder popular, viveu momentos difíceis na
história, na ocasião em que faltava democracia ao País. Depois, chegou à
Presidência da República e teve o equilíbrio de garantir um rumo seguro
para a economia brasileira, ganhou prestígio, inclusive no exterior.
Além disso, legou independência à Polícia Federal, como se vê até hoje,
nomeou oito ministros para o Supremo Tribunal Federal que decidiram com
isenção sobre um episódio que, no passado, jamais seria objeto de
julgamento no Supremo. E estamos vendo um Ministério Público que não
engaveta mais e que denuncia. Este é o legado que eu vejo do presidente
Lula.”
Voltei
Os juízos de Campos (que
criticou, no seminário, a condução da política econômica do governo
Dilma), no que concernem a Lula, são tortos de várias maneiras. O
passado do petista, por mais virtuoso que tenha sido, não lhe dá licença
especial para praticar ou para permitir que se pratiquem desmandos. São
falsas as considerações de que devemos ao Demiurgo a independência do
Supremo ou da Polícia Federal. O que quer o governador de Pernambuco?
Que sejamos gratos ao ex-presidente por aquilo que nos assegura a
Constituição? De resto, já se sabe, a esta altura, que Lula se sente
traído pelos ministros que indicou para o tribunal. Não é que ele não
esperasse subordinação. As coisas só não saíram conforme o planejado.
É preciso
parar com essa bobagem de, a cada lambança que esbarra em Lula, lembrar a
sua contribuição ao Brasil, como se isso lhe desse uma espécie de
salvo-conduto. Não há vento mais velho do que esse. Então terá sido Lula
tão bom para o Brasil, mas tão bom, que isso o coloca acima da lei? Vou
enviar ao governador um dos diálogos de Platão, em que Sócrates explica
a Críton por que enfrentará a sentença de morte que lhe fora imposta,
sem fugir. Em síntese: se ele, Sócrates, acreditava na lei e na Justiça,
teria de se submeter a seus ditames.
Encerro
Vamos ver o que dirá Cardozo ao senhores congressistas. Uma
coisa é certa: chega desse absurdo muito brasileiro de usar os
escândalos para exaltar, ora vejam!, as virtudes dos envolvidos!!! O
flagra, senhor ministro, não depõe a favor do governo, não, mas contra. O
flagra, senhor governador Eduardo Campos, não releva as virtudes de
Lula, não, mas seus defeitos.
Essa conversa, senhores, é velha nestepaiz como o desmando, o autoritarismo e a impunidade.
Por Reinaldo Azevedo
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