O STF faz história
Leia um dos editoriais do Estadão:
O julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) constitui-se, desde já, num marco histórico que abre para o Brasil a perspectiva de um significativo avanço institucional, representado pela consolidação do estado de direito, muito particularmente no que diz respeito ao princípio de que todos são iguais perante a lei. Esta é a pedra de toque, a razão principal da impressionante mobilização da opinião pública em torno do STF nesses quatro meses e meio em que, com absoluta transparência e respeito à lei penal e aos preceitos constitucionais, os ministros se dedicaram ao exaustivo escrutínio disso que se confirmou como o maior escândalo político da história do País. Ao final, mesmo levando em conta que do ponto de vista processual há ainda um caminho a percorrer antes da publicação do acórdão que produzirá os efeitos penais do julgamento, todos nós brasileiros podemos nos sentir orgulhosos: foi dado um passo importante para resgatar o Brasil do histórico atraso institucional representado pelo estigma da impunidade dos poderosos.
A
construção da democracia é um processo permanente, complexo e tortuoso
porque deve perseguir a unidade do bem comum na diversidade dos
interesses conflitantes que caracterizam qualquer corpo social. A
evolução desse processo, no modelo preconizado por Montesquieu e adotado
pela maioria dos Estados ocidentais modernos, está condicionada à
observância de fundamentos como o da separação dos poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário) e o de que todos são iguais perante a lei. No
Brasil, é triste mas necessário convir, tais fundamentos nunca foram
levados muito a sério. E as consequências disso são particularmente
graves no que diz respeito à igualdade perante a lei – o que tem tudo a
ver com o desempenho do Judiciário, mas também, quando se trata de
investigação criminal, de instituições subordinadas ao Executivo, como a
polícia e o Ministério Público.
O fato de a
investigação criminal do mensalão merecer elogios gerais pela
eficiência indica que essa qualidade nunca foi exatamente a regra. Por
outro lado, o próprio julgamento da Ação Penal 470 demonstra que a
legislação brasileira, em particular a processual penal, abre brechas
que permitem a procrastinação indefinida dos feitos. Tudo isso tem
contribuído para que a opinião que a sociedade brasileira tem da Justiça
seja impregnada por alta dose de desconfiança: a Justiça tenderia a
proteger os interesses dos poderosos, aqueles que se colocam no topo da
pirâmide social, deixando a dura lex para ser aplicada aos cidadãos
comuns. Em certa medida, é uma verdade que não se explica
necessariamente pela eventual má-fé de legisladores, investigadores e
juízes, mas pela complexidade do ordenamento jurídico penal, cujos
meandros são geralmente acessíveis apenas a bancas advocatícias muito
bem remuneradas.
Foi,
portanto, o compreensível sentimento de desconfiança na ação da Justiça
que o já histórico julgamento do mensalão conseguiu abalar, provocando o
despertar de uma consciência cívica que nos últimos anos vinha sendo
mantida em estado ciclotímico graças a uma hábil e deliberada
manipulação do sentimento popular – ora excitado com as conquistas
econômicas, ora passivo ante as transgressões aos princípios
republicanos -, tudo ao sabor dos interesses dos detentores do poder
político. Desprezando o sentimento nacional de regozijo com a condenação
dos mensaleiros, Lula, o Grande Manipulador, revelou com muita clareza
exatamente o que pensa sobre consciência cívica ao declarar sobre o
julgamento, então a meio caminho, que “o povo não está preocupado com
isso, mas em saber se o Palmeiras vai cair para a segunda divisão e se o
Haddad vai ganhar a eleição”. O Palmeiras caiu e Haddad ganhou, mas
Lula não percebeu quais eram as preocupações do povo.
Hoje,
diante das evidências que o contrariam, Lula mantém as barbas de molho,
certamente por saber que a sociedade brasileira já tem posição formada
em relação ao destino que merecem os poderosos que se julgam “mais
iguais” perante a lei. Esse é o primeiro passo a ser comemorado no
sentido da moralização dos costumes políticos que os ministros do STF
balizaram com o julgamento da Ação Penal 470.
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