terça-feira, 6 de novembro de 2012

O “Brasil Sem Miséria de Dilma”


O “Brasil Sem Miséria de Dilma” – No Nordeste, benefício a agricultores é alvo de fraudes e recria a indústria da seca

 

Por Alessandra Duarte e Carolina Benevides, no Globo:
“Consegui tirar isso aqui”, é a resposta do agricultor ao ser perguntado o que ele queria dizer quando afirmava ter perdido “tudo” com a seca que atinge o Ceará este ano.

Romão mora com a mulher e os quatro filhos em Cedro (CE), a cerca de 400 quilômetros de Fortaleza, no semiárido. Vivem com R$ 204 do Bolsa Família e mais uma aposentadoria por invalidez — há seis anos, o agricultor teve um AVC. Apesar da perda com a estiagem, até meados deste ano Romão afirmava não receber, há mais de dois anos, o Garantia Safra, benefício que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) paga a agricultores familiares com renda familiar mensal de até 1 salário mínimo e meio, em municípios que perderam no mínimo 50% da produção com a seca.

Enquanto isso, em Cedro, o ex-secretário municipal de Agricultura e o ex-coordenador do Conselho Municipal de Desenvolvimento Social (CMDS), órgão que cuida da execução do programa lá, são réus em ação que corre na Justiça Federal, acusados de cadastrar beneficiários irregulares no programa — como servidores públicos, fornecedores da prefeitura ou prestadores de serviços a ela. As denúncias também foram alvo de operação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União com os MPs estadual e Federal.

Tema da terceira reportagem de série sobre fraudes em ações para o público do plano Brasil Sem Miséria que O GLOBO publica desde domingo, as denúncias são exemplo de que, apesar de novos projetos, o público-alvo desses programas sofre com irregularidades que revivem antiga tradição: a exploração da chamada indústria da seca.

Candidato à reeleição, o prefeito de Cedro, João Viana (PP), teve a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, ao ter contas de gestões anteriores reprovadas, e aguarda análise, pelo plenário do TSE, de recurso da oposição ao deferimento do registro de sua candidatura. Como o outro candidato, Francisco Nilson (PSB), que teve o maior número de votos (51,41%), também foi pego pela Ficha Limpa por contas rejeitadas, e também espera decisão do TSE, Cedro corre o risco de ter de passar por nova eleição.

Em fevereiro de 2011, a cidade viu agentes da PF, em conjunto com CGU e MP, realizarem buscas e apreensões em residências de servidores públicos, empresários e na prefeitura. Era a Operação Conífera, que constatou 163 cadastrados irregulares, como “secretários municipais, servidores municipais e seus parentes, arrendatário de hotel na cidade, comerciantes fornecedores da prefeitura”. Segundo a CGU, os acusados podem ser condenados por estelionato, formação de quadrilha e corrupção ativa e passiva.

Já a ação civil pública na Justiça Federal é por improbidade administrativa. Segundo o promotor de Cedro Leydomar Pereira, responsável pela ação inicial no MP estadual, após denúncia de vereadores da oposição, os réus da ação são Paulo Afonso de Lima e Silva Júnior, que era o presidente do CMDS; Francisco Alberto Fernandes de Sousa, que era secretário municipal de Agricultura e que se elegeu vereador este ano pelo PP; Fernando Borges de Souza, filho de Francisco Alberto e que assumiu a secretaria por um período quando o pai saiu candidato a vereador em 2008; e José Mendes de Lima, servidor da Agricultura “que tinha familiares que supostamente prestavam serviços para a prefeitura cadastrando pessoas para o Garantia Safra”. “Eram funcionários fantasmas. Recebiam o salário sem ir ao trabalho”, diz o promotor.

Após a Conífera, foi criada na cidade comissão para acompanhar os cadastros de beneficiários de 2010 e 2011, segundo vereadores da comissão. Mesmo com a nova comissão, porém, os cadastros continuam passando pelo crivo do CMDS e pela Secretaria de Agricultura.

Há 20 anos entregando água nas casas da cidade com uma carroça, Antônio Garcia, de 59 anos, é outro agricultor que diz não receber o Garantia Safra “faz anos”. No mesmo caminho para o poço onde Garcia ia pegar água, vinha o agricultor João Cordeiro: “Já tentei me cadastrar três vezes”, diz Cordeiro, sem o benefício pelo menos até julho. Outro agricultor, Francisco Cleilson Lima diz ter pago pela adesão ao programa para as safras 2008/2009 e 2009/2010, e não ter chegado nenhum benefício até agosto deste ano.

Ao receber O GLOBO, o prefeito de Cedro negou todas as acusações sobre as supostas irregularidades na sua gestão. E disse que, no lugar de Paulo Júnior, quem respondia pelo CMDS agora era Maria Anamélia Castro, agente de Saúde. Mas foi Paulo Júnior quem o prefeito chamou para acompanhar a entrevista e para responder ao GLOBO sobre o programa.

“O que pode ter sido é que a pessoa (cadastrada) não é agricultor, mas tem marido agricultor, por exemplo. Não pode impedir ninguém de se cadastrar; se você se nega a cadastrar, cria um problema na comunidade”, disse Paulo Júnior, ao lado do prefeito. “Então, pensamos, vamos cadastrar todos, e depois excluir quem não for (do perfil). Mas é ruim o relatório de exclusão”.

Perguntado sobre as acusações de que servidores ou fornecedores da prefeitura estavam entre os beneficiários, e se, nesse caso, a prefeitura já não saberia que essas pessoas não eram do perfil do programa, Paulo Júnior respondeu: “Isso é muito subjetivo. Não é todo mundo que conhece todo mundo.”
(…)
Por Reinaldo Azevedo

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