O “Brasil Sem Miséria de Dilma” – No Nordeste, benefício a agricultores é alvo de fraudes e recria a indústria da seca
Por Alessandra Duarte e Carolina Benevides, no Globo:
“Consegui tirar isso aqui”, é a resposta do agricultor ao ser perguntado o que ele queria dizer quando afirmava ter perdido “tudo” com a seca que atinge o Ceará este ano.
“Consegui tirar isso aqui”, é a resposta do agricultor ao ser perguntado o que ele queria dizer quando afirmava ter perdido “tudo” com a seca que atinge o Ceará este ano.
Romão mora
com a mulher e os quatro filhos em Cedro (CE), a cerca de 400
quilômetros de Fortaleza, no semiárido. Vivem com R$ 204 do Bolsa
Família e mais uma aposentadoria por invalidez — há seis anos, o
agricultor teve um AVC. Apesar da perda com a estiagem, até meados deste
ano Romão afirmava não receber, há mais de dois anos, o Garantia Safra,
benefício que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) paga a
agricultores familiares com renda familiar mensal de até 1 salário
mínimo e meio, em municípios que perderam no mínimo 50% da produção com a
seca.
Enquanto
isso, em Cedro, o ex-secretário municipal de Agricultura e o
ex-coordenador do Conselho Municipal de Desenvolvimento Social (CMDS),
órgão que cuida da execução do programa lá, são réus em ação que corre
na Justiça Federal, acusados de cadastrar beneficiários irregulares no
programa — como servidores públicos, fornecedores da prefeitura ou
prestadores de serviços a ela. As denúncias também foram alvo de
operação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União com os MPs
estadual e Federal.
Tema da
terceira reportagem de série sobre fraudes em ações para o público do
plano Brasil Sem Miséria que O GLOBO publica desde domingo, as denúncias
são exemplo de que, apesar de novos projetos, o público-alvo desses
programas sofre com irregularidades que revivem antiga tradição: a
exploração da chamada indústria da seca.
Candidato à
reeleição, o prefeito de Cedro, João Viana (PP), teve a candidatura
barrada pela Lei da Ficha Limpa, ao ter contas de gestões anteriores
reprovadas, e aguarda análise, pelo plenário do TSE, de recurso da
oposição ao deferimento do registro de sua candidatura. Como o outro
candidato, Francisco Nilson (PSB), que teve o maior número de votos
(51,41%), também foi pego pela Ficha Limpa por contas rejeitadas, e
também espera decisão do TSE, Cedro corre o risco de ter de passar por
nova eleição.
Em
fevereiro de 2011, a cidade viu agentes da PF, em conjunto com CGU e MP,
realizarem buscas e apreensões em residências de servidores públicos,
empresários e na prefeitura. Era a Operação Conífera, que constatou 163
cadastrados irregulares, como “secretários municipais, servidores
municipais e seus parentes, arrendatário de hotel na cidade,
comerciantes fornecedores da prefeitura”. Segundo a CGU, os acusados
podem ser condenados por estelionato, formação de quadrilha e corrupção
ativa e passiva.
Já a ação
civil pública na Justiça Federal é por improbidade administrativa.
Segundo o promotor de Cedro Leydomar Pereira, responsável pela ação
inicial no MP estadual, após denúncia de vereadores da oposição, os réus
da ação são Paulo Afonso de Lima e Silva Júnior, que era o presidente
do CMDS; Francisco Alberto Fernandes de Sousa, que era secretário
municipal de Agricultura e que se elegeu vereador este ano pelo PP;
Fernando Borges de Souza, filho de Francisco Alberto e que assumiu a
secretaria por um período quando o pai saiu candidato a vereador em
2008; e José Mendes de Lima, servidor da Agricultura “que tinha
familiares que supostamente prestavam serviços para a prefeitura
cadastrando pessoas para o Garantia Safra”. “Eram funcionários
fantasmas. Recebiam o salário sem ir ao trabalho”, diz o promotor.
Após a
Conífera, foi criada na cidade comissão para acompanhar os cadastros de
beneficiários de 2010 e 2011, segundo vereadores da comissão. Mesmo com a
nova comissão, porém, os cadastros continuam passando pelo crivo do
CMDS e pela Secretaria de Agricultura.
Há 20 anos
entregando água nas casas da cidade com uma carroça, Antônio Garcia, de
59 anos, é outro agricultor que diz não receber o Garantia Safra “faz
anos”. No mesmo caminho para o poço onde Garcia ia pegar água, vinha o
agricultor João Cordeiro: “Já tentei me cadastrar três vezes”, diz
Cordeiro, sem o benefício pelo menos até julho. Outro agricultor,
Francisco Cleilson Lima diz ter pago pela adesão ao programa para as
safras 2008/2009 e 2009/2010, e não ter chegado nenhum benefício até
agosto deste ano.
Ao receber
O GLOBO, o prefeito de Cedro negou todas as acusações sobre as supostas
irregularidades na sua gestão. E disse que, no lugar de Paulo Júnior,
quem respondia pelo CMDS agora era Maria Anamélia Castro, agente de
Saúde. Mas foi Paulo Júnior quem o prefeito chamou para acompanhar a
entrevista e para responder ao GLOBO sobre o programa.
“O que
pode ter sido é que a pessoa (cadastrada) não é agricultor, mas tem
marido agricultor, por exemplo. Não pode impedir ninguém de se
cadastrar; se você se nega a cadastrar, cria um problema na comunidade”,
disse Paulo Júnior, ao lado do prefeito. “Então, pensamos, vamos
cadastrar todos, e depois excluir quem não for (do perfil). Mas é ruim o
relatório de exclusão”.
Perguntado
sobre as acusações de que servidores ou fornecedores da prefeitura
estavam entre os beneficiários, e se, nesse caso, a prefeitura já não
saberia que essas pessoas não eram do perfil do programa, Paulo Júnior
respondeu: “Isso é muito subjetivo. Não é todo mundo que conhece todo
mundo.”
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