quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Caso Fernanda: MP e antimaquiavelismo




A institucionalização dos conflitos e das tensões sociais é o cerne do regime democrático.

Evitar que os conflitos desbordem, extravasem, e cheguem às “ruas”, é o desafio maior. Cumprido esse desiderato, a contento, pode-se chegar a um estágio interessante de convívio, um momento “civilizado” do sistema.

É claro que o dinamismo da sociedade e suas complexidades imanentes são capazes de produzir fatos sociais que escapam dessa tentativa de “domesticar” e civilizar. O convívio social é mais complexo do que qualquer idéia que tenha por fim constranger, na acepção pura do termo, impulsos e ímpetos humanos.

Lançar mão de instituições fortes é o único caminho a ser trilhado por uma sociedade que quer contar com esse canal civilizador. Os que são alçados à condição de timoneiros dessas instituições devem ter a noção exata do seu encargo. Pesa sobre eles o compromisso de zelar por elas.

É inescapável que a ausência desses cuidados acabou por transformar a atuação dos membros do Ministério Público do Estado do Piauí, no caso Fernanda, numa pantomima, num verdadeiro contra-exemplo de como uma instituição deve se portar.

Ainda que o trabalho da polícia federal tivesse referendado todas as hipóteses levantadas pelos membros do órgão ministerial, responsáveis pelo caso, a forma como foram colocadas essas hipóteses – sempre com ilações sem lastro e ofensivas desmesuradas, além de uma jocosidade ímpar – tangenciaram o fantasioso, o espetaculoso, o irrazoável e o flerte com o absurdo.

 Neste caso, e em todos os outros que exijam a participação de agentes políticos, é preciso ter grande cuidado com os meios empregados para que os fins não restem imprestáveis.

Infelizmente os meios utilizados pelos membros do MP – entrevistas, posturas, falas, manifestações em redes sociais -  durante toda essa arenga desqualificaram-se por si só.

A narrativa científica apresentada pela Polícia Federal, no entanto, trilhou por outro caminho. Ombreou com a civilidade. Os meios empregados qualificaram o fim, ainda que esse fim não tenha sido acolhido de bom grado pelos que não se desvencilham da possibilidade do assassinato.

A grande diferença neste caso todo, acredito, repousou nesse antimaquiavelismo: os meios qualificando os fins, em contraposição aos fins que justificam os meios.  

A trajetória construída pela busca da verdade num estado democrático de direito deve ser hígida. Os meios empregados são tão importantes, ou mais, quanto os resultados obtidos.

É o cuidado com o percurso, com os passos dados, que revela o nível de nossas instituições, de nosso aparelho repressor, de nossa capacidade de, como citado no início, instituticionalizar conflitos e tensões para que eles não assaltem a razão e a civilidade, valores difíceis de ser construídos, mas fáceis de serem calcado aos pés. Fica a lição.

  

 Zeferino Júnior






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