Aniversário de Teresina pelas torres
da S. Benedito
José Maria Vasconcelos, cronista,
josemaria001@hotmail.com
O garoto aproveitou a distração do
sacristão, abriu a porta, subiu a escada arredondada e estreita de madeira.
Postou-se no último degrau, próximo à imagem de São Benedito. Vento gelado
soprava entre as torres, tremer canelas
e temor da queda. Era 1960, Teresina 108 anos.
Do alto das torres, descortinava-se a modesta Teresina de 145 mil habitantes e
prédios baixos. Só se destacavam as torres das igrejas, os oito andares do INPC(INSS)
na Praça João Luís. A capital não passava dos rios Parnaíba e Poti. Podiam-se
contemplar as extremidades facilmente: ao sul, acabava no Bairro Vermelha, de
barro e poeira vermelhos; Avenida Barão de Gurgueia, única saída da cidade para
o sul do Estado. Ao norte, acabava no aeroporto. Logo mais, vazio tomado de
vegetação, até à Vila do Poti. Bairro Buenos Aires, vila isolada, distante da
Praça do Marquês.
Do antigo Seminário Arquidiocesano, na Avenida Frei Serafim,
seminaristas desciam a ladeira, onde hoje fica a Agespisa, iam tomar banho no
Poti. A implantação da Ponte Juscelino Kubitschek, ligando a Avenida Frei
Serafim à Zona Leste, incentivou a construção do Clube do Jóquei e o balneário
do Clube dos Diários. Na saída da ponte, na entrada para a Av. N.Senhora de
Fátima, funcionava o Posto Fiscal. Grupos de matutos, como eram chamados
agricultores do interior, montados em jumentos e cavalos, acompanhavam noivos
trajados de branco, acampavam nos arredores do Posto, festivos e fogueteiros,
para casamento na cidade. Daí o Bairro dos Noivos.
Na Zona Leste, multiplicaram-se belas residências e cultivo
de pomares em extensos lotes. À noite, a temperatura caía em mais de 5 graus em
relação ao Centro. Toda a faixa da
Catarina e Monte Castelo coberta de
florestas, dominadas de macacos e animais silvestres. "Onde você
mora?" ao que se ouvia: "Moro na Floresta", hoje Alegria, pelos
bailes comuns da caboclada, naquela região pós Catarina.
Os sinos da Igreja São Benedito badalavam às 4 da madrugada,
para missa dominical das cinco. Ouvia-se o bimbalhar em quase toda a cidade,
bem como o apito bucólico da Usina Elétrica(Cepisa), às 9 da noite.
A "alta sociedade"
deleitava-se no Iate e Jóquei, especialmente nos bailes de debutantes,
reveillons, eleição de misses, exigindo passeio completo. Os Diários, mais
populares, refrescava a juventude aos domingos, após encontros noturnos até às
9, na Praça Pedro II ou no cinema. Vida noturna findava por volta da meia-noite.
Bar Carnaúba, chique e bom-gosto, todo de carnaúba, ao lado do Teatro 4 de
Setembro. Dois irmãos argentinos, no comando, revolucionaram a gastronomia
local com pratos e bebidas finas.
Manhã de domingo, coroas do Parnaíba e Poti lotadas de areia
branca e gente bonita, desconhecia poluição. Teresina se abraçava, todos se
conheciam e se temiam na moralidade. Moças demais divertidas espantavam
rapazes, exceto para "empinar"(amassos). Perder virgindade, caía no
mundo, desembocando nos cabarés, às vezes, ainda adolescentes e expulsas da
família.
Do alto daquelas torres, o garoto não
imaginava que, um dia, nos 160 anos de
Teresina, 1 milhão de habitantes, rodeada de favelas, estimuladas pela ambição
política e irresponsável de gestores e candidatos, arruinariam o cinturão verde
da capital, avançariam nos impostos para doação de telhas, barro, areia e votos.
O menino não imaginava quase uma dúzia de pontes, belas avenidas e praças
iluminadas, centenas de gigantes de concreto, nem Parque Lagoas do Norte, nem
asfalto (só aeroporto tinha), nem tanta safadeza de gestores públicos, nem rios
poluídos, nem imprensa avançada, nem futebol peba, nem fartura, diversão e
gente bonita nos shoppings, nem badalação noturna de segunda a segunda, nem
empreendedorismo, especialmente de jovens, nem droga, violência e assassinatos
diários. Aquele garoto ama pra burro esta mesopotâmica capital, cheia de
desafios, como subir a uma torre por escada íngreme.
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