"Nelson foi perseguido pelo fantasma da fome", diz Ruy Castro na Bienal
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DE SÃO PAULO
O jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que completaria cem anos no
dia 23 de agosto, é um dos homenageados da Bienal do Livro de São Paulo.
Na manhã desta quarta (15), ele foi tema de debate no Cozinhando com Palavras, espaço gastronômico da feira.
A relação do autor com a comida, porém, mais parece uma das tantas ironias mórbidas que marcam suas peças.
"Ele, na verdade, foi perseguido a vida inteira pelo fantasma da fome",
contou Ruy Castro, biógrafo de Nelson Rodrigues ("O Anjo Pornográfico") e
colunista da Folha.
O escritor Ruy Castro, colunista da Folha, durante palestra sobre Nelson Rodrigues na Bienal do Livro, em São Paulo
A virada dos anos 1920 para os 1930 trouxe uma série de tragédia para a
família Rodrigues. Roberto, irmão do dramaturgo, foi assassinado em
dezembro de 1929 na Redação do jornal da família, "Crítica". Em março do
ano seguinte, morreu seu pai, Mário Rodrigues.
Meses depois, o governo liderado por Getúlio Vargas, que assumiu o poder
com a Revolução de 1930, mandou fechar o "Critíca". Durante a invasão
da polícia, máquinas foram destruídas e o cofre, com praticamente todas
as economias da família, incendiado.
Por pressões políticas, os demais jornais da época não queriam dar emprego a ninguém da família.
Até 1935, Nelson, a mãe e os irmãos foram assombrados pela fome. "Eu e
toda minha família conhecemos uma miséria que só tem equivalente nos
retirantes de Portinari", escreveu ele.
A sorte começou a mudar para Nelson em meados dos anos 1940, ao se
consagrar como dramaturgo com a peça "Vestido de Noiva" (1943). Quando
finalmente teve condições financeiras para comer o que bem quisesse,
descobriu que tinha úlcera e que não poderia ingerir uma porção de
coisa.
"Basicamente, a refeição padrão dele era feijão, arroz, carne moída e
purê de batata. De sobremesa, gelatina de framboesa. Coitado", contou
Castro.
Além disso, muito café e quatro maços de cigarros por dia.
Curiosamente, dois dos filhos do dramaturgo foram donos de restaurantes
no Rio. Apesar da alimentação regrada, agora por questões de saúde,
Nelson reunia-se frequentemente com os amigos nas cantinas da cidade.
Foi numa delas, a Sorrento, que Ruy Castro o entrevistou em 1977. Ele
não lembra o prato de Nelson na ocasião, mas conta que o dramaturgo
tinha prazer em ver os outros comendo.
"Ele fez até uma crônica em que defendia os gordos. Escreveu que a
gordura era a coisa mais sublime do ser humano. Ele também dizia que 'os
canalhas são sempre magros' '', relembrou Castro.
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