segunda-feira, 16 de julho de 2012

Contra a covardia

16/07/2012 - 07h07 

Por João Pereira Coutinho, articulista da Folha de São Paulo

Contra a covardia

Nelson Rodrigues definiu-se um dia como um ex-covarde. Dizia o sábio Nelson que houve tempos em que também ele seguia a cartilha do medo: o medo que começa nos lares, passa para a Igreja, contamina as universidades e desagua na cultura popular.

O medo que os pais sentem dos filhos. O medo dos professores perante os alunos. O medo dos artistas em geral, que preferem obras nulas ou sentimentais --e não a "contemplação carinhosa da angústia", para usar uma expressão da escritora Agustina Bessa-Luís.

É esse medo de enfrentar a verdade, por mais difícil e insuportável que seja, que faz com que os homens deixem de ser "indivíduos", no sentido mais nobre da palavra. Para o covarde moderno, melhor diluir a individualidade na estupidez confortável das massas.

Por isso é de saudar o livro de Luiz Felipe Pondé, "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia" (Leya, 230 págs). Li-o de um fôlego só, durante uma viagem São Paulo-Lisboa. Ri bastante. Pensei idem. E concordo com o autor: o problema das sociedades contemporâneas está na cultura de medo que o pensamento politicamente correto transformou em programa e ação.
   
Luiz Felipe Ponde, filosofo e colunista da Folha
Luiz Felipe Pondé, filósofo e colunista da Folha                                              

É o tipo de pensamento que procura limitar a liberdade de expressão e, claro, a capacidade criadora do intelecto humano. Um mundo de conformidade --eis o supremo sonho das patrulhas corretivas. Para isso, é necessário negar os aspectos mais amargos da condição humana.

Primeiro, que somos imperfeitos, canalhas, mentirosos. Exatamente como o leitor se vê ao espelho. E, depois, que as sociedades em que vivemos foram sempre o produto de alguns. Dos poucos. Dos melhores. Foram eles que carregaram o mundo nas costas, relembra Pondé. Haverá verdade mais radicalmente anti-igualitária do que essa?

Sem falar do resto: a democracia, para lá das suas virtudes "funcionais", é o charco preferencial da mediocridade e dos medíocres (tal como Tocqueville já tinha avisado). A beleza feminina ainda é a maior fonte de ressentimento para as mulheres feias (e para os homens pobres). E o Islã, "religião de paz", está presente na esmagadora maioria dos atos terroristas cometidos no mundo.

Pondé constrói o seu guia em capítulos curtos, atirando sobre as piedades falaciosas do discurso politicamente correto com argumentação afinada (e afiada).

E se o leitor pensa que o autor poupa a sua própria classe, a classe dos académicos e intelectuais, desengane-se: também eles são vergastados na sua vaidade e frustração existenciais.

O "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia" não é, em rigor, um livro de Filosofia. É antes um manifesto contra a covardia humana --a tentação suprema de negarmos as injustiças da vida pela rendição do espírito crítico.

Moral da história? Ex-covardes do todo mundo, uni-vos!

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